segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

On the Road - Copacabana

Caminho, invisivel, por ruas cruéis em Copacabana.
           Barulhos de carros me atropelam os ossos
                    enquanto anjos demônios inocentes
           pedem trocados em troca de boquetes
à luz da lua infante e esfumaçada
           de loucos drogados bêbados.

                    Olho tudo, como se não tivesse
           razão nenhuma para estar ali,
como se não fosse eu um mesmo homem
           a girar o coração na lama e no chorume
                    de todas as revoltas patéticas de bar,
           de todas as programações sangrentas de televisão,

de todos os protestos covardes das redes sociais.
           Caminho, e por um instante acho isso grande coisa,
                    Como se, por andar e caminhar sem rumo,
           eu não estivesse tão imóvel e sonumbático,
tão incessantemente vulgar e desimportante
           quanto você.         

                    Já se foram Homero Virgílio,
           Pessoa Caeiro não mais.
Nosso Drummond, no entanto, ainda está aqui, num canto,
           a olhar os peitinhos das meninas que sentam ao seu lado
                    e a ter seus óculos roubados dia a dia.
           Olhos de cobre e vento que já não lhe servem.

Drummond sentado eu caminhando,
           meus olhos se avermelhando pouco a pouco,
                    turistas admirando nosso safari humano a céu aberto,
           a vida passando por fora de nós,
em algum lugar pessoas trepando
           enquanto choram de gozo, de asco, de medo.

                    Ah, essa angústia que não quer mais ter fim,
           que martela craveja marca a fogo
o fato de que ainda estou vivo em algum lugar,
           eu anjo demônio lua homem lama
                   estátua menina ladrão turista mendigo estuprador.
           Eh la ho.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Leminskyanas I


Uma parte
do que seja
so é arte
se partida.

Parta a arte
meio a meio
resta o ar
que te respira.


sábado, 1 de dezembro de 2012

A Emerência do Mar

(a Ronaldo Lima Lins)


                                  Entre
 os arbóreos gritos do fogo
                                  e os sussurros minerais do mar
                                     
                                  fico com esses
                                  últimos.
                                    
                                  Porque as águas têm ritmo,
             porque é em versos
                                   que as ondas
                                             cantam.

                                                         
                                  E é assim, como todos os versos,
                           que as ondas
                                    moldam
                      o mundo.

                                  Sem pressa.
                                  E sem retorno.


Santa Teresa, 30 de novembro de 2012



quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Filho do Boto

Ele apareceu na água.
Ele apareceu na praia.
Ele apareceu do nada
e, do nada, ele me olhou.

Tinha um corpo grande e aberto
que estalava de tão bronze,
e os olhos tão sorridentes
que a boca quase sumia,

e uma pele tão molhada
que eu jamais discerniria
o que água, suor, orvalho,
ainda que usasse a língua.

Ele olhava para mim
e sua boca novamente
inútil, desnecessária,
pois seus olhos me beijavam

numa volúpia tão quente
que molhada fiquei eu
de orvalho, água, suor
ansiando por seu toque,

um toque que nunca veio.
Ele só ficou me olhando
até me fazer inteira
só com os olhos, só com os olhos!

Esperou tranquilamente
até que eu me refizesse,
depois disso, só me deu
uma piscada e partiu

(o que me surpreendia
era que, mesmo de costas,
por trás da sunga vermelha,
pude ver que ele sorria).

Ele apareceu na água
e para a água voltou.
Ele apareceu. A praia
nunca mais me abandonou.

sábado, 17 de novembro de 2012

Vozes


Sim, o que quereis de mim, oh musas?
Falai mais alto, que a TV está ligada.
Falai mais alto, ou chegai mais perto,
E lambei meus ouvidos enquanto sussurrais vossas tão belas maldições...
Musas, que dizeis? Que dizeis de mim, ou das árvores e dos campos,
Ou de todas as coisas que permeiam meu mundo?
Calíope, sólida e eloquente,
que tens a me dizer de meu futuro?
Clio, conhecedora de todos os segredos e de nenhum mistério,
qual o motivo de minha condenação?
Erato, doadora dos prazeres,
que sabes de meu amar e daqueles que me amam?

Ai, musas gregas, musas minhas, porque me torturais com essa Verdade distante

Se sabeis que não vos posso alcançar de onde me encontro?
Deixai-me em paz,
Ou deixai que eu vos abrace,
mas não me tentem assim...
Musas, que dizeis? Que dizeis de mim, ou dos homens e das crianças,
Ou de todas as coisas que meu mundo permeia?
Euterpe, magnífico deleite,
que notas o meu peito está a ouvir?
Melpômene, com seu riso desmedido,
por que choras por mim?
Polímnia, guardiã dos mistérios,
que grandezas sei?

Ai, porque viestes a essa hora, oh musas,

Se sabeis que não posso atende-las,
E o meu tempo está no fim?
O quarto está aceso, os carros passam ao longe,
E aproxima-se a hora do jantar...
Musas, que dizeis? Que dizeis de mim, que dizeis de mim,
Ou de todas as coisas que sou?
Tália, de riso florido,
qual é a graça?
Terpsícore, rodopiante e delicada, 
como faço para não cair?
Urânia, coroada de estrelas, 
onde estou, afinal?

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Oração


Permita-me admirar a escuridão
sutil e pressentida dos crepúsculos
antes que a luz dos postes me incendeie
e finja iluminar-me o chão. Permita

que eu possa ouvir o canto das cigaras
antes que as aberturas das novelas
invadam as calçadas a partir
das TVs que se espreitam nas janelas.

Permita-me cruzar esta cidade
(ao menos uma rua da cidade)
antes que esta cidade me consuma.

Permita-me viver antes que a vida
me atinja novamente e inevitável
me fazendo esquecer que a vida existe.

Insônia


Você se encontra neste quase-quarto
onde o tempo
cheira a fruta molhada
e todos os sons são negros.

Carros passam em algum lugar ao longe,
esparsos
omo as gotas na pia do banheiro,
como as moscas na pia da cozinha,

mas você não ouve.

Os espelhos
em cima dessas pias
não refletem em nada sua cama
pois,

embora haja espelhos em profusão em um sem número de pias espalhadas pela casa e por toda [a cidade

você e sua cama
não estão
defronte espelho
algum.

Assim, você não vê.

Algo em você quer dormir,
algo quer se levantar,
quer gozar
(sozinho)

mas o cansaço é tão grande...

Três da madrugada ainda.
A manhã se atrasou.

Faça um favor a si mesmo: durma
acorde
goze
morra

Faça alguma coisa mas saia dessa letargia insone,qualquer coisa, mas faça!

"não",
você não responde.

sábado, 3 de novembro de 2012

...e Então Há a Morte

(a Fernanda Drummond)

"With your kiss my life begins
You're spring to me, all things to me
Don't you know, you're life itself!"
(David Bowie, "Wild is the Wind",
na voz de Nina Simone)

A Morte
se instala no ventre
de uma casa com jardins lindíssimos
(e área para fumantes)
e canta versos como quem cozinha
com indescritível fineza.

Ela sorri, e não tenho medo.

Sei que a Morte é repleta do vigor primevo das bruxas,
que jamais nega seu amor ou sua fúria a ninguém.

Ela é bela, bela, muito bela,
a rainha dos ventos e das mudanças,
deusa oculta de todas as coisas vivas,
e uma esplendorosa mãe e irmã.

Segredo das coisas lindas,
sossego das coisas findas,
a Morte é o sabor mais raro de vida

que alguém pode experimentar,
E também o mais generoso,
Pois que será experimentado por todos,
ainda que uma única vez,
ainda que por toda a vida.

Ela tem o aroma do meu primeiro amor,
E um toque de orvalho seco.

Agora tenho medo.

Agora, é como se ela chegasse de repente
pedindo por lágrimas suas que eu havia combinado de lhe devolver
mas esquecera de separar,
e então tivesse que procurar correndo,
bagunçando todas as gavetas.

Tenho medo agora.
Mas ele não me paralisa. Ao contrário,
é por causa desse medo que eu sei
que devo ir.

E é por causa desse medo
Que eu vou sem medo.

Porque é o tipo de medo que se sente
Quando você percebe
Que conquistou o amor da sua vida.

domingo, 21 de outubro de 2012

Meu Peito Abril


Acordei-me repleto de ternura
de um modo ao meu padrão tão desigual
que é como despertasse-me a procura
d’um coração assim, tão portugal

que só capaz do pranto natural
proveniente de uma dor madura
a acariciar-nos, qual um vendaval
que sussurra visões de sepultura.

Em abril Portugal nos descobria
(E em outro abril se redescobriria
Em cantares de cravos, fé e mágoa)

Meu peito abril, ao me buscar sem tréguas,
Vê, no Atlântico, um lago envolto em léguas.
Hoje é no Rio que o Tejo deságua.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Noite (poema em 2 atos)


1.

A noite
não atravessa
meus olhos.

O que me atravessa os olhos são
a luz vermelha dos carros que sobram,
as faces cansadas de homens sérios
ao fim dos trabalhos diurnos,
a adrenalina em pó dos baladeiros de plantão,
a falta que faz um sol.

Nada disso é a noite.

A noite mesmo,
a noite de verdade,
aquela escuridão mais fria
que todas as estrelas escondem,
o silêncio por trás do techno e da chuva eventuais,
a certeza final da morte chegando,
essa bate e volta
como  o vento bate no rosto da gente
e segue seu rumo,
deixando apenas o frio
do lado de fora da pele.


2.

Se às vezes
a noite entra
em mim

é porque, muito de vez em quando
ela me atravessa a boca,
é porque respirar
é inevitável aos vivos
a ponto de nos esquecermos
da própria respiração,
como nos esquecemos da morte.

Da morte chegando.

Há noite mesmo,
noite de verdade,
na hora em que não se espera.
Quando o espanto é tamanho
que a boca não fecha.
quando o Espanto é tamanho
que certezas não há.
É a hora em que ela bate fundo
como o vento bate no rosto da gente
e segue seu rumo
deixando apenas o frio
no lado de dentro da pele.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ronin

Jurei lealdade absoluta a meu Senhor
e Seu reino.

por anos defendi-os arduamente
com língua, espada e língua.

O mundo era bom.

Um dia, meu senhor nunca existira.
Seu reino sempre fora uma falácia.

Agora ando só.

Comigo, apenas uma língua sem fio,
uma lâmina seca,
um juramento quebrado.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

De costas

Estar de costas é andar sempre encoberto.
Ser como um livro terminado e nunca aberto,
cartucho velho não se sabe de qual jogo,
o frio espesso que se esconde atrás do fogo.

Porque de costas todo choro é invisível,
todo contato é sutilmente inacessível.
Estar de costas sendo visto é nunca ver.
De costas, cada punhalada é pra valer.

De costas, tudo ao que se crê se sobrepõe
pois muito mais do que o que vai é o que já foi.
Estar de costas é o depois de despedida,

o caminhar sem nunca mais olhar pra trás,
o estar além (e aquém) das hostes dos mortais,
o nunca dar nem nunca receber guarida.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sem Título


Se um dia você se encontrar,  
sem razão aparente,
assim, como num sonho,
tão feliz que dá vontade de gritar,
 
Não.
 
É Deus que está sonhando com você.
Não O acorde.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mais um pôr-do-sol

De volta. Após nove meses. Enfim. Um pouco de Sol, o Rio precisa.



Mais um Pôr-do-Sol


O Sol se põe atrás de uma montanha
(Até aí nenhuma novidade,
isto acontece todo dia, atrás -
e à frente - de todas as montanhas).

Esta é, porém,
uma daquelas ocasiões singulares
em que o Sol modifica a palheta de cores do universo,
tudo adquire o mesmo tom rosado
e as margens do céu prendem a respiração.

Duas senhoras conversam em frente a suas casas.
Comentam a cor do Sol,
comentam a cor do céu.
Mas elas não comentam a cor das paredes brancas,
a cor do chão cinza, das árvores verdes.
Não comentam sua própria cor.

Eu, olhando e sendo olhado por todo este esplendor,
me entristeço de leve ao lembrar-me das primeiras vezes
em que vi um pôr-do-Sol desse jeito.
Este, como aqueles, é um pôr-do-Sol inesquecível,
mas eu já vi muitos assim
e não me lembro de todos.

Chegará o dia
em que não me lembrarei de nenhum destes.
Lerei estes versos
e ainda assim não me lembrarei.
Por isso me entristeço.
Porque não poderei me entristecer então.
Por isso olho pra trás. Porque
chegará o dia
em que não mais me lembrarei de olhar pra trás,
não haverá em mim motivo para olhar
ou o que olhar.

Nenhuma novidade.

O que me acalenta e me conforta de leve é que também
chegará um dia
em que meu filho verá um pôr-do-Sol como o de hoje
pela primeira vez
e, um dia, o filho dele.
nestes dias
o novo será novo novamente
e as margens do céu irão suspender a respiração
(entenda, isto acontece todo dia,
atrás - e à frente - de todas as montanhas).

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Motivo

(...) porque há mais Poética em uma garrafa de champanhe barato do que em 365 poemas feitos ao longo de um ano;

porque a Poética é só isso: um nome. Exceto quando é um verbo ou um conectivo;

porque, enquanto todas as outras formas de arte se instauram no concreto (sons, cores, formas), dele instaurando significados, a Poética cria sentidos a partir da linguagem, ou seja, a partir daquilo que já é formador de sentido, ou seja, revelando o humano a partir do próprio humano, ou seja, toda poética é uma metapoética;

porque uma garrafa de champanhe barato pode se chamar Poética e, apesar disso, gerar todo um pensamento psico-mito-filosófico sobre arte e álcool independente da existência de Dioniso;

porque escrever atrai mulheres, mas escrever bem atrai somente as melhores;

porque apenas 10% do tempo da escrita é gasto desenhando letras no papel;

porque esta é a parte fácil;

porque Ricardo Reis nos fala “para ser grande sê inteiro: nada / teu exagera ou exclui” ;

porque Fernando Pessoa exagera e exclui tudo de si o tempo todo e é ainda maior;

porque o Lemos bebe pra caralho;

porque eu nunca terei um filho. Mas terei outros;

porque em uma loja de conveniência em Nova York no fim dos anos vinte o jovem Isaac não conseguia saciar sua sede de leitura, apesar de ter esgotado o acervo da biblioteca, e passou a escrever suas próprias histórias, sem saber que, anos depois, essas mesmas histórias fariam parte do Acervo da Biblioteca de Nova York;

porque só agora eu entendi qual é a desse poema que eu estou fazendo;

porque, segundo Chaplin, “o humor pode ser tudo, até mesmo engraçado”;

porque Caetano Veloso existe;

porque é o que eu sei fazer melhor e, ainda assim, é o que eu mais amo;

porque contentar-se é contentar-se com pouco; (...)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Quinto Elemento

O Exótico Oriente
dá ao quinto elemento o nome de
madeira.

Intui que as forças vitais
são tão inerentes ao mundo,
tão definidoras do mundo,
quanto as outras quatro

(Por outro lado, dão ao
ar
o nome de
metal
ainda que este só se assemelhe aos sussurros
ao assumir a forma da lâmina,
letal apesar de invisível,
letal porque invisível).

Mais próximo e mais distante,
o Japão chama o quinto elemento de
vazio
Chamam-no assim porque ele é a junção de todos os outros
e, como soma,
é indiscernível, incontornável, indefinível.

Mais próximo ainda
(e proporcionalmente mais distante)
a Tradição Mística Europeia se fixa nos
quatro elementos clássicos
recusando-se, porém, a se limitar a esses quatro.
Seus pentagramas não permitem.
Contaminados, contudo,
por um platonismo tão ingênuo quanto cristianizado,
os europeus se viram obrigados a criar, do nada
- não do vazio -,
um elemento ideal, implacável e insondável.

A este elemento
(cuja importância foi crescendo gradativamente
até que se sobrepusesse aos outros,
até que arriscasse a existência dos outros,
até que fosse alcançado - e descartado como inexistente)
a Tradição Mística Europeia se refere como
Éter.

Agora, é Hollywood
(o que há de mais próximo - e de mais distante -
de nós exceto, talvez, nós mesmo)
quem diz, em cada uma de suas produções,
que o quinto elemento é o
Amor
ou, em sua tradução menos explícita, o
Coração
no que nos parece um clichê inominável
e é como tal que a maioria das pessoas o aceitam
ou rejeitam.
Não precisa ser assim.
No óbvio
(ainda mais do que em sua contraparte mais garbosa e respeitável,
o inevitável)
ainda se escondem a sabedoria infinita dos milênios
e nossos movimentos perpétuos de rotação e translação
(o movimento de revolução
se mantém, como sempre, como prerrogativa da Lua
e dos que a amam).




domingo, 8 de agosto de 2010

Das Auroras




.............Exarcebam-se

............................................................................................em plenitude
.......................................................................................abissal
..............................os ósculos solares
.........................................................do Verão

...................................................................................................(a Poesia
.................................................................................................toda prosa
............................................................................................................ri)

.................Sublimes são as sendas
.................................................do ardor total

....................................................................................como é total a criação
quando
.............ela
...................toca






.........................................................................os mundos.


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Poema Etílico nº 7

Preciso de alguém que forge
uma espada de São Jorge
e um escudo de Perseu

para que todo inimigo
que for se meter comigo
possa ver que já morreu.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Espera

Encontro-me em um bar à beira-mar. Leio um livro.
É Chico.
Bom livro. Acho melhor do que as canções.
Ainda assim, a leitura não me absorve como se deve.
É muito sol, muito mar.
É muito bar.
Sou distraído por meia dúzia de pássaros
ao longe.
(eles estariam brincando, se pássaros
pudessem brincar, ao invés disso
procuram pequenos peixes para comer)
Eu brinco
com quatro palitos de dente
antes de voltar ao livro.

É muito bar. Ao meu redor
Pessoas conversam amenidades,
um casal se ama
(eles vão terminar em duas semanas
mas eu não sei disso, nem eles),
na outra mesa Reunião de Negócios,
um homem bebe em um canto.
Olho para cada um deles em pequenos goles
e vou bebericando o livro devagar.

Sem aviso, uma passagem me toca.
("E eu me pergunto, quando ela sobe a escada,
se não é um corpo assim dissimulado
que as mãos tem maior desejo de tocar,
não para encontrar a carne, mas
sonhando apalpar o próprio movimento")
Quero eu apalpar o movimento
daqueles pássaros, daquele casal,
do homem feio e escuro que vem na minha direção
e me oferece flores. Eu aceito.
Me custa dois reais. Caro.

Deito o livro
e a sirene de uma ambulância passa depressa pela rua.
Não é nada. Não aqui.
(em algum lugar, no entanto, a ambulância não vai chegar a tempo
e alguém vai morrer.
É a vida. Pessoas morrem
a todo momento e em todo lugar.
Eu não. Eu vou morrer em um lugar só.
Não aqui).

O livro, deitado, me espera,
desisto dele por hoje.
É muito bar. Não,
é muito de mim
(amanhã estarei em casa e poderei
saboreá-lo com vagar,
quando me houver menos em mim).
Volto meus olhos para o mar. Anoitece.
A água se dissolve em rosa, púrpura e amarelo
e o azul do céu se desfaz sem pressa
(ela chega).





sexta-feira, 16 de julho de 2010

Em um bar (com uma dose de Lemos)

Existe
..............um homem
..............muito velho
que desenha ali................................................................pela primeira vez
pequenos
corações em seu
......................diário.


..........................................Ao seu lado
......................sem saber
uma jovem
não.

Ela pensa
....................em
.............................Deleuze


......................e em filmes iranianos sobre o amor e a guerra.


.....................................................Aquele
.....................................................bêbado
..................................................ao contrário

não pensa.........................................................................................não bebe
não desenha........................................................................não paga a conta

..........................................................é
........................................................feliz.



(O dono do bar,
olhando tudo aquilo
sorri
com uma dose de nostalgia,
pega suas chaves
mira atentamente a porta do estabelecimento
e abre o bar
como quem abre um sorriso)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

São Bernardo

Meu coração é um touro cravejado
de espadas que toureiros e toureiras
enfiaram, de todas as maneiras,
no coração. Meu coração é gado

de quase duas mil vacas leiteiras
mais um touro reprodutor cansado
de cruzar pra viver. Por outro lado,
meu coração é tudo que tu queiras.

Se me falta culhão pra que eu mantenha
uma imagem perfeita, seu eu sou bardo
de calçada, infantil, pequeno, insosso,

é porque minha voz caminha prenha
da embriaguês. Se eu sou um São Bernardo,
meu coração é o rum em seu pescoço.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Poema Etílico nº 6b
(a Julia Pastore)


Ali,
onde pétalas de rosas mortas
ardem em um cinzeiro
abandonado
como o fim de um cigarro
ainda aceso,

O mel
sangra.

E o sangue do mel
não é doce.
Ao contrário,
carrega o pânico orgástico
de um poema por terminar,
de uma vida
captada aleatoriamente
sem início e fim definidos
ou definidores.

Mel.
Fossilizado em braço
de mulher
como se tatuagem
não fosse.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A Lição do Lobo

Eu nunca cacei rebanhos
nem é como se os caçasse.
Não corri pelado na chuva.
Não comi carne viva.
E jamais respondi
à inconstância invariável da Lua.

Em suma: não sou um lobo.

Hoje, no entanto,
o Lobo
veio visitar
meu corpo
pela segunda vez

(a primeira foi ontem)

e, pela segunda vez,
me ensinou a ver o mundo
com os olhos da pele.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Poema Etílico nº 5

Logo depois que aprendi a ler
(tinha 5 anos)
comecei uma brincadeira solitária
sobre a qual até hoje
não contei a ninguém.

Procurava por qualquer lugar onde houvesse letras
..........placas
..........outdoors
..........revistinhas
e, olhando-as,
tentava não as ler.

(Eu me lembrava
- ainda me lembro -
de um tempo em que letras
não me formavam palavras, apenas figuras,
como ainda hoje
o ideograma
o hieroglifo
o alfabeto Klingon)

Nunca consegui.
Não consigo até hoje.

Aprender a ler.
Foi minha primeira viagem sem volta.

domingo, 4 de abril de 2010

os Pássaros e o Homem, ou o Homem e o Pássaro

(a Diego Braga)


Pássaros cantam,
mas não fazem música.
Comem,
mas não fazem comida.
Cruzam,
mas não fazem amor.

Estas artes
(como todas as artes)
são propriedade singular do homem
e apenas a ele é dado
o direito,
o dever,
o devir

de se espantar diante do espantoso,
mudar o mundo, sendo por ele mudado
e ouvir a música
que o pássaro não fez.

domingo, 28 de março de 2010

Poema Etílico nº 4

"É um fim de tarde perfeito",
ela me dizia
com olhos repletos de Brahma
e de amizade perfeita.

Olhei para o céu
e quase concordei.

Era perfeito.

Mas não era fim de tarde.

Saudade

Era madrugada e eu já não tinha sono
quando uma sombra de chuva chegou a meus ouvidos
e me percebi subitamente com saudade
de São Paulo

Não de seus habitantes que pouco conheço
e mais me despertam curiosidade
sobre como seriam
regularmente

Nem de suas ruas cinzentas
pairando sob um céu ainda mais cinza
que por sua vez paira sob uma lua
quase da mesma cor

Tampouco é saudade de seus bairros temáticos
divididos com uma precisão geográfica e antropológica
que meus olhos cariocas talvez nunca
venham a compreender

Ou ainda da minha amada
que vive por lá há um tempo
e por quem minha saudade não é súbita
nem me surpreende

Não

A Saudade de São Paulo que senti
é saudade de mim habitante
passeando por suas ruas por seus bairros
pelo meu amor.


terça-feira, 23 de março de 2010

Iceberg

"Meu coração é um Almirante louco"
Álvaro de Campos


Poemas se assemelham a um iceberg.
Uma parte nos assombra e nos comove.
Outra parte nos move.

Uma parte, tão abaixo da Lua quanto a outra
é, por ela, iluminada,
brilha com vastidão na intensidade.
Outra parte a Lua agarra,
maré.

Uma parte é concreta,
lapidável.
Outra parte é mais concreta.
Inefável.

Amo essa parte
tão bela,
tão calma.
Mas não ignoro
que é a outra perte
que tem o poder de derrubar navios.




domingo, 14 de março de 2010

O Nome do Jogo

A vida é um jogo.
Tá, mas que jogo?

Para uns, a vida adquire a complexidade de um jogo de xadrez.
Para outros, ela é simples como par ou impar.
Há aqueles para quem
o jogo da vida é simplesmente o Jogo da Vida®
(seu filho nasceu, receba os presentes).
Qual é, então, o jogo do Artista?

Um Artista, não se engane, é um homem comum,
com um emprego comum
(um encanador, talvez)
nascido em um lugar qualquer desse mundo
(digamos, a Península Itálica,
terra de Dante, Michelângelo,
Al Capone).

Porém,
quando se vê obrigado
a sair do seu pequeno mundo
para salvar sua Princesa
(porque todo artista tem a sua princesa)
ele descobre-se capaz
de realizar feitos extraordinários.
Pular grandes distâncias.
Correr sem se cansar.
Nadar, sem respirar, ao som de uma valsa.

O trabalho de um Artista
é árduo e perigoso,
e ele está sozinho.
Mas há momentos em que ele
encontra sua estrela
e, por alguns instantes, torna-se invencível;
carrega uma flor
e passa a soltar fogo pelas mãos;
toma um cogumelo
e dobra seu tamanho, seu vigor.

Três vezes ele pode definhar,
três vezes, e mais três pra cada uma.
Três vezes ele corre contra o tempo.
A quarta é o castelo.

Sem espada, escudo ou armadura
o Artista é armado
com sua sensibilidade, apenas
O Dragão, contudo, não é um dragão.
É uma tartaruga
agigantada pelos caprichos
desse estranho reino.

Ultrapassado o Dragão
(pois não há como transpassá-lo) ,
o Artista encontra a alcova
onde espera encontrar sua Princesa.
Mas o jogo nunca tem fim
e no lugar da princesa haverá
(quase) sempre aquele rapaz irritante
a lhe dizer "obrigado, mas
a princesa está em outro castelo"

Spleen

Não quero estar sozinho
e não espero a companhia de ninguém.
Queria
estar, apenas.
Sem janelas,
sem remorsos,
sem porvir.

Independentemente do que possa,
acho que hoje eu quero o tanto faz.

domingo, 7 de março de 2010

domingo, 31 de janeiro de 2010

- Você acredita em amizade entre homem e mulher?



Um banco de praça. Jocasta e Alberto. Dezoito, dezesseis. Amigos há dez.

- Claro, pô. A gente não conta?
- A gente era criança. Você ainda não era um homem, e eu...
- Tem razão. Falar nisso, você ficou uma gata, com todo o respeito.
- Que isso...

Não se via há uns três anos, desde que Jocasta fora sozinha à Europa, perseguindo seu sonho, sua identidade. Voltara, de supresa, há três dias. Uma gata, realmente. Agora conversavam.

- Onde é que você está querendo chegar, Jô?
- He, tinha me esquecido de como você me chamava assim...
- Acontece.
- Alberto... a gente sempre foi muito unido, não?
- É, a gente não prestava, lembra aquele dia em que a gente tava no lago...
- E aquele susto que você deu no vestiário feminino depois da aula de educação física...

Alberto era o mais calado, mas também o que mais aprontava.

- Você nunca achou que poderia haver algo mais entre a gente, Alberto?
- Foi você que disse, a gente era criança. Sem contar...
- Mesmo assim, acho que você tinha uma queda por mim, confessa!
- Que é isso...
-Alberto, eu vi as suas lágrimas no aeroporto. Não era choro de amigo.

Aquela tarde, três anos atrás, realmente havia sido a pior da vida de Alberto, por mais que ele não admitisse.

- Sabe, foi por isso que eu voltei, depois de todo esse tempo.
- Pra me chamar de chorão?
- Não, seu bobo. Por você. Por que você é a única pessoa que eu amo.

Jocasta e Alberto se olharam, primeiro com os olhos, depois com as mão e finalmente com suas bocas. Alberto, sem se importar com mais nada, deixando suas angústias e confusões para mais tarde. Jocasta, natural do Rio de Janeiro, nascida com o nome de José Augusto Lopes de Souza, experimentava pela primeira vez a felicidade.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um dedinho de prosa [inclui Mikhail]

Então, pessoal. Um conto. Quaisquer comentários serão particularmente bem-vindos.



Mikhail



Todos já pensamos nisso.

Que todo esse mundo é uma farsa, que todas as coisas deixam de existir no momento em que deixamos de olhar para elas, que somos a única pessoa - a única coisa - de verdade no universo, que tudo aparenta existir unicamente para alimentar a ilusão de que não estamos sós.

Todos temos razão, mas nem tanto. É verdade que há apenas uma pessoa que realmente vive e que todo o resto existe ou não na medida em que é captado pelos sentidos dessa pessoa. Acontece que a única pessoa de verdade do universo não é você.

O nome dele é Mikhail Chekov e ele nasceu em uma pequena cidade da Rússia, ao sul de Moscou. Teve uma infância simples e boa, e sempre quis conhecer o mundo. desde pequeno trabalhou muito, não somente juntando dinheiro para a viagem, mas também para ajudar nas despesas de casa, pois sua família, como sua infância, era simples, e o fim da União Soviética não os ajudou.

Exceto pelo fato de ser a única pessoa de verdade do universo, sua vida era bem comum.

Mikhail conciliava seus trabalhos com um bom desempenho escolar. Chegou a cursar Arquitetura na Universidade de São Petersburgo, tendo sido o primeiro de sua cidade a cursar com sucesso um curso superior. Isso não quer dizer que ele seja inteligente o bastante para não conseguir ser feliz, apenas é um homem determinado.

Mikhail nunca pensou que pudesse ser a única pessoa de verdade do universo.

Depois de formado, Mikhail trabalhou durante cinco anos em uma empresa localizada em Oslo, na Noruega, que o contratara após uma bem-sucedida experiência de intercâmbio. Ganhava em Euros. Passado esse tempo, achou que já havia acumulado o sufiente para poder conhecer o resto do mundo. Fez suas malas, pediu demissão do emprego e partiu.

Não sei onde ele possa estar nesse momento.

Sei que um dia o verei. Um dia ele virá ao Brasil ou eu estarei em um outro país quando, sem qualquer aviso, lá estará ele. Provavelmente não irei reconhecê-lo. Mas estarei, onde quer que seja, recém-criado, com toda uma série de lembranças falsas de uma vida que eu nunca tive, pronto para interagir com ele como for preciso. Por um momento estarei vivo, mesmo que eu seja apenas um anônimo que passe por ele pela rua ou que ele só me veja em uma reportagem na TV passando atrás do reporter. Ou então Mikhail lerá este conto um dia, e só. Se for o caso, nunca existirei de verdade e mesmo esse fingimento terá sido apenas para que essa história fosse escrita. E nem mesmo escrita por mim.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Brincando de Fernando

sem título


O vento toca levemente o meu peito
às sete horas de uma tarde qualquer de dezembro
e parece tormar a vida
mais alegre, serena e profunda.
Mas não é o vento que transforma a vida
em algo mais alegre, sereno e profundo,
eu é que passe a ver a vida
de forma mais alegre, serena e profunda.
Mais ainda,
sou eu que estou mais alegre,
sereno
e profundo
nesta tarde qualquer de dezembro
em que o meu peito toca o vento com intensidade.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um Lobo

Não se pode possuir um lobo.
Há de se admirá-lo, de longe.
Deve-se amá-lo longe.
É um ser que exige
muito cuidado e respeito.
Um lobo uiva, e esse uivo é perigoso.
Inspira, para o bem ou para o mal,
o que temos de mais forte,
mais intenso,
mais visceral.
O uivo de um lobo acende
o que temos de bem e de mal.
Não se pode possuir um lobo.
Mas pode se possuir o seu olhar soturno,
o seu terror noturno, a sombra
do seu uivo.

Mar Branco

Um poema é uma ilha
ancorada por um mar
branco e curto, como um dente,
e tão frágil quanto.

Tal qual o dente, este mar
amarela, apodrece,
conforme o tempo não para.
Animais o róem

até que não há mais dente
e o próprio mar se esfarela.
É quando o poema voa
pelo céu da boca.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Banco Imobiliário

Quatro casas, um hotel.
Quatro Casas,
um hotel. Quatro Casas
um
Hotel.

Quem dera a vida fosse assim tão simples.

E a Roda Gira

(obs: esse poema se maximiza se for lido logo após o "Flor de Lobos". É assim que ele esta(rá) no livro.)


E a Roda Gira

"Venço o cansaço na roda do
Contrabismo"
Jimmy Charles Mendes

Meu coração se fora. Todavia
é preciso coração
para recuperá-lo,
tatear no brilho das trevas,
voar como ave sem asas,
mergulhar até as alturas
sem vontade

(é preciso muita vontade
para se mergulhar sem vontade)
para se abandonar.

É preciso
um coração preciso.

Mas deve-se procurar
ainda que sem se saber o que
é preciso procurar o quê.

Caminhar a viagem eterna
até o fim

não o fim da viagem,
o fim do viajante.

É preciso viajar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Pretensão

..........................................Vaidade das vaidades, tudo é vaidade
..........................................(Ecle 1,2)


Dizem que eu me acho muito inteligente,
grande,
superior.
E é tudo verdade.
Mas não são grandes todas as pessoas?
Não é inerente ao homem a inteligência
e a superioridade naquilo que lhes convém?
Então. Sou grande. Como tudo que é humano.

Dizem que eu desprezo a estupidez dos homens estúpidos,
rio,
cuspo na cara.
E é tudo verdade.
Mas não são estúpidas todas as pessoas?
não é inerente ao homem desprezar
e cuspir naquilo que lhes convém?
Então. Eu rio. Sobretudo da minha própria estupidez.

sábado, 7 de novembro de 2009

O lugar da poesia

A poesia está onde a chamam
baixinho,
onde dois ou menos se reunem
em seu nome,
em nome de todos os nomes.

Ela é uma intimidade entre dois corpos,
entre um corpo,
entre si.

Experimentar o poético
não é ser mais humano,
nem mais que humano
pois,
em todo lugar onde há o homem,
a poesia se expande,
se instaura,
se contrai.

Experimentá-lo
é, conhecendo o humano,
não o saber (e, não sabendo,
não saber que não se sabe)

Experimentar o poético
é não saber
o que você sabe.

A poesia é o lugar do ser
(entre outras coisas,
entre todas as coisas)

O clic

Agora.

Captar a essência da vida,
não,
a essência dos meus olhos.

Ver o espaço.

Olhar o mundo.

Guardar o instante.

Encontrar o ângulo adequado
e amá-lo.

Fotografar
a vida.
(nunca aparecer na foto?)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Flor de Lobos

I

Em um lugar
a duas horas de onde quer que você esteja
uma flor
dorme.

Anda o quanto quiseres,
para onde quiseres,
a distância não diminui.

Ou aumenta.

Para alcançá-la
deves abandonar a ti mesmo
e caminhar por duas horas
(na direção correta, cuidado).

Abandonar não o teu corpo,
não o teu espírito.
Deves abandonar o eu
que em ti é um outro.

..................................................Abandonar-
.......................................................................te.

Alcançarás a flor?
A flor te alcançará.
Não onde estiveres.

Onde deixaste-te.

Há, porém, um porém:
ela morde.


II

Esta flor não tem espinhos.
Tem garras.
Não tem pétalas.
Tem dentes.
Não tem talo.

Também não tem coração.

Esta flor
não se pode arrancar,
não se pode sequer tentar
(duas horas, lembre-se)

Ela, no entanto,
ao acordar, te arranca.

(de Onde?
para Onde?)


III

Uma vez eu tentei
tentar arrancar a flor.


IV

Duas horas depois
acordei
sem dentes,
sem garras.
Meu coração se fora, todavia.

domingo, 30 de agosto de 2009

O Livro do Destino

O reino do Destino é um labirinto infinito
como um livro de Borges,
como todos os livros.

Por lá ele passeia,
enfastiado,
pois conhece todos os caminhos
de seu reino.

Quando Destino quer viajar sem rumo
ele lê o seu livro
e se perde no sonho dos homens,
no seu desespero, seu delírio,
sua destruição, seu desejo.
Se perde na sua morte.

Ou você acha que
o Livro do Destino
é escrito em prosa?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Impenetrável

[E agora, um pouquinho do meu lirismo diabético.
Esse poema tem aí uns quatro, cinco anos de existência.]


O Impenetrável


Há na nudez desta prostituta
prestes a se entregar a mim em holocausto
fragmentos de um erotismo espiritual
que mal vaza dos seus olhos vazios.

Olhando ela assim, tão nua,
me dá vontade de conheçê-la
num sentido que não o bíblico.
Vontade de conhecer seu nome
- o verdadeiro -
seus livros preferidos,
seus sonhos,
seu signo.

Claro que nada disso existe na hora do trabalho.
Seu corpo está nu. Ela não.
Suas portas abertas escondem algo de impenetrável
e seus seios são como duas torres de vigia, cujas armas
permanecem em punho por causa do frio
(fingimos que é por minha causa)

Ela não diz nada com a boca.
A boca não serve para isso agora.
Mas não consigo deixar de pensar
que esta seta que carrego no meu centro
lhe abafa um grito.

Por fim essa mulher,
com uma lascívia impassível,
termina o serviço.
É quando, já quase lhe dando as costas,
vejo algo que me parece uma breve lágrima em seu rosto
e me excito pela primeira vez na noite.
Mas não.
Aquela secreção era minha.


domingo, 2 de agosto de 2009

Primeiro Encontro

[Esse é pra quem acha que eu só escrevo coisas "engraçadinhas". È um poema de março de 2006.]

Primeiro Encontro


14 de fevereiro, Valentine's day,
lua cheia.
Poesia no ar, na água, na terra.
Fogo no coração,
embora ainda não o saibamos.
Bebemos ardorosamente
toda a poesia,
com amor e fé
("Fé em quê?"
ouço alguém gritando)
depois passamos
para a cerveja
(não, espera,
ainda há bastante poesia
para tragarmos aqui
pelo ar e pela terra,
é uma livraria.)
Não adianta, queremos mais,
sempre mais,
vamos até a sua casa?
Ainda há poesia na terra,
a lua desce. É dia.
Agora os corações não se aguentam.
Um papo quente.
Mãos entrelaçadas.
Mil verdades.
Uma consequência
- é quando descobrimos nossos fogos
ardentes,
cândidos, uma novela
de Manoel Carlos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Poema Etílico nº 2

(A Rafael Nunes)


A cachaça é choro de deuses. Seja
de tristeza, alegria, dor ou fúria,
esse pranto nos traz o despudor
e uma liberação da consciência

que nos permite, assim, compartilharmos
daquilo que eles têm de mais humano.
Por um instante, tornamo-nos eternos!
Porém o mesmo instante, após o instante,

vem cobrar sua conta, e nos lembrar
de que é com ele o nosso acordo. Eis
a maldição dos deuses, eis a nossa:

somos instante; eles, eternidade.
Porém, maior será nossa coragem
- que deuses beberão as nossas lágrimas?

sábado, 11 de julho de 2009

Trilogia Pessoana [inclui Reencarnação, Mãos desenlaçadas e Álvaro de Campos Revisited]

Oi, pessoal.

Talvez vocês conheçam algum desses poemas, ou todos eles, mas agora é a hora de colocá-los nos seus lugares, ou seja, juntos. Há um diálogo bem bacana entre os três textos do que eu resolvi chamar de Trilogia Pessoana, diálogo este que vai além do inevitável paralelo entre os heterônimos citados. Existe aqui uma diferença de ritmo que busca, entre outras coisas, acompanhar traços do espírito de cada heterônimo, drops de Fernando Pessoa e aspectos distintos do meu próprio trabalho. Há também pontos de unidade entre esses elementos todos.
Enfim, aproveitem.


Reencarnação


Uma cigana me disse uma vez
que eu era Alberto Caeiro
reencarnado.
"Mas ele é um heterônimo de Fernando Pessoa", repliquei.
"Ele nunca existiu".
A cigana, me perscrutando com suas bolas de cristal
(as de verdade, que ela guarda atrás dos óculos)
me respondeu: E você,
existe?

Não sei.

Sei apenas que há frias noites de uma chuva oblíqua
em que, mirando uma parede qualquer,
faço apenas isto. Existir,
excessivamente,
eu e a parede. Todo o resto,
Contemplar, Sofrer, me Indispôr,
perde sua relevância.

Uma cigana ne disse uma vez
que eu era Alberto Caeiro reencarnado.
Em noites como essa eu não acredito.



Mãos Desenlaçadas


Ricardo Reis morreu e hoje contemplo,
sozinha, o espetáculo do mundo,
mas Sofro ao ver que tudo é tão imundo
que não acho conforto em nenhum templo.

Existe, claro está que tudo Existe,
exceto quem não está mais ao meu lado.
Meu coração se encontra engaiolado,
e as rosas dos jardins são mero alpiste.

Gostava do seu plácido otimismo
eternamente à beira de um abismo.
Agora que estou só, não me contento

com isso que está aí. Tanta perfídia
no mundo me Indispõe, e é só o vento
quem seca o pranto dessa pobre Lídia.



Álvaro de Campos Revisited


Quem colou os cacos deste vaso?
Quem o encheu de flores? Será que não se Indispôs
com as sobras, os vazios? Agora esta cola o prende
com tal precariedade
que um mero empurrão o esfacelaria novamente,
em pedaços ainda menores,
e com mais louça, muito mais louça, até se tornar inevitável
que Existam vários vasos com os cacos de um.

Três, para ser exato. Um enorme,
selvagem, primitivo. Outro ordenado e imponente,
como vaso etrusco, ilustrado com deuses vingativos.
O último, bem pequeno, com forma e Sofrimento semelhantes
às do vaso original.

Ah, quem pode dizer, agora que foi tudo refeito, reformado, regurgitado,
qual é a face verdadeira desses vasos?
Seria a exterior, pintada e adornada,
cada uma à sua maneira?

Ou a face voltada para dentro, a face escura,
cujas teias de aranha só podemos Contemplar
se analizarmos os vasos com muito afinco,

e que o vaso, ele mesmo, nunca vê?

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Abrindo o baú Nº 1 [inclui Chuva]

Uau.

Arrumando meu quarto, minhas coisas, vejo que achei mais do que esperava. Encontro, em uma caixa de sapatos, coisas de há muito, muito tempo atrás, do que parece ser uma galáxia distante. Fotos, agendas, camisas de colégio com assinaturas da turma inteira (ainda fazem isso hoje em dia?), ingressos de filmes antigos... e meus primeiros textos! Falo de textos anteriores a qualquer pretensão séria em relação à minha obra, textos que nasceram das minhas primeiras audições de Caetano, da minha primeira descoberta da Língua.

Não resisto a partilhá-los com vocês. Claro, são textos de um adolescente que mal sabia o que é a poética (saberá ele hoje?), que engatinhava na miríade de possibilidades de expressão literária. Mas, creio eu, já tinha o que dizer.

Ah, sim, são textos do século passado.

Vamos ver?


Chuva


Está chovendo.
Meu corpo semi-permeável não deixa passar água
não, nada da água cristalina que poderia me purificar.
Mas a chuva passa
e meu coração fica nublado, cinza,
um cinza-escuro, carregado de dor sem razão
(ou talvez haja razão, mas a neblina dificulte a visão).
Mas não importa. Há dor. Isto é fato.

Um coração vazio, a própria presença do Vazio,
a falta de tudo o que importa no momento
obriga o poeta - eu - a pensar, sentir, ser alguma coisa
para poder escrever-se, interpretar-se
e o masoquismo então toma conta,
o paradoxo da angústia toma conta dele - de mim - e acontece
de o poeta ser mais cheio quando está mais vazio.

(Novembro/1998)

terça-feira, 30 de junho de 2009

Endless III

All right, baby, come on.
It's time to dream.

Wake up.

Endless II

I am not afraid
to die
today.

But I'm afraid to
die.

Endless I

I can see who you are,
where you are,
where you'll go (it's not far).

You have no mistery,
not for me,
'cause I am your whole Destiny.

Olha, tem gente comentando...

Ai, ai, o pessoal de Letras tem esse problema, a gente fica querendo fazer "a" análise dos textos dos amigos, aí se na hora de comentar não rola uma gag, um trocadilho, uma frase muito relevante, a gente acaba também não falando nada.

Pois eis que, ainda assim, com uma semaninha de blog, já tenho a acreditável soma de 3 comentários!!! Após dois comentários no nosso querido Sargento Azul ( um deles inevitável, é verdade), quem comenta é o nosso amigo Lúcio! Claro que, pessoal de Letras, esses aí acharam coisas bem interessantes pra dizer. Mas é isso aí, gente! vamos comentar sempre, mesmo que seja só pra dizer "gostei" ou pra dar uma crítica construtiva...

Zodíaco

Sou virginiano,
com ascendente em Sagitário,
lua em Peixes.

Terra.
Fogo.
Água.

--------------------------

Talvez por isso essa falta de ar...

domingo, 28 de junho de 2009

O impacto do Impacto

uma garota................................................um caminhão
uma garota........................um caminhão
uma garotaum caminhão


A colisão colidiu com todos os que ali passavam.




Parando de fumar? [inclui .Um Cigarro. e .A vela Mágica.]

Pessoal, estou parando de fumar. Não sei como serão os próximos meses, se aguentarei firme sem colocar unzinho que seja na boca, se terei recaídas homéricas, se irei reduzir até níveis mais ou menos aceitáveis, ou mesmo se desistirei de vez e que se dane os meus pulmões. Quem sabe o que se esconde por dentro do manto do Destino? Sei que hoje sou alguém que está parando. Alguém que, como todos os que iniciam à vera uma luta contra o vício, não consegue pensar em outra coisa. Então, amigos, hoje coloco dois poemas que falam de que? Pois é. O primeiro é de 2005 ou 2006, acho, mais ou menos de quando eu estava começando (a escrever? a fumar?). O segundo já é de 2009, de um daqueles dias em que Destino (olha Ele aí outra vez) pisca o olho pra gente por motivos que nunca se tornam claros. Enfim, lá vão eles.


Um cigarro.


Aqui,
onde vaporosas linhas curvas
giram sem pressa,
criam formas artificialmente dionisíacas
e sobem, como um incenso ateu
que leva mudas orações para deuses surdos.

Aqui
onde uma fina folha de um papel branco
como o luto no oriente
envolve, silenciosamente,
as Cinco Mil Folhas,
ignorando por completo seu conteúdo
(e se o conhecesse não se importaria).

Aqui,
onde minha boca absorve
o incenço, absorve
as Cinco Mil folhas
e traga a vida para si,
dela extraindo profundidade
às custas da vastidão.



A vela Mágica.


Quando trago meu cigarro
sou eu quem se acende inteiro
pois trago no meu isqueiro
o fogo que acende o barro

e transcende a carne em vento
como o deus me prometeu.
O fogo de Prometeu
que traz o conhecimento,

a língua e o odor fantástico
da vida em estado agora,
é esse o fogo que mora
no meu isqueiro de plástico!

Porém, trago aqui um adendo
a todos seres que comem:
eu só empresto pra homem.
Pra mulher, eu mesmo acendo.