segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Espera

Encontro-me em um bar à beira-mar. Leio um livro.
É Chico.
Bom livro. Acho melhor do que as canções.
Ainda assim, a leitura não me absorve como se deve.
É muito sol, muito mar.
É muito bar.
Sou distraído por meia dúzia de pássaros
ao longe.
(eles estariam brincando, se pássaros
pudessem brincar, ao invés disso
procuram pequenos peixes para comer)
Eu brinco
com quatro palitos de dente
antes de voltar ao livro.

É muito bar. Ao meu redor
Pessoas conversam amenidades,
um casal se ama
(eles vão terminar em duas semanas
mas eu não sei disso, nem eles),
na outra mesa Reunião de Negócios,
um homem bebe em um canto.
Olho para cada um deles em pequenos goles
e vou bebericando o livro devagar.

Sem aviso, uma passagem me toca.
("E eu me pergunto, quando ela sobe a escada,
se não é um corpo assim dissimulado
que as mãos tem maior desejo de tocar,
não para encontrar a carne, mas
sonhando apalpar o próprio movimento")
Quero eu apalpar o movimento
daqueles pássaros, daquele casal,
do homem feio e escuro que vem na minha direção
e me oferece flores. Eu aceito.
Me custa dois reais. Caro.

Deito o livro
e a sirene de uma ambulância passa depressa pela rua.
Não é nada. Não aqui.
(em algum lugar, no entanto, a ambulância não vai chegar a tempo
e alguém vai morrer.
É a vida. Pessoas morrem
a todo momento e em todo lugar.
Eu não. Eu vou morrer em um lugar só.
Não aqui).

O livro, deitado, me espera,
desisto dele por hoje.
É muito bar. Não,
é muito de mim
(amanhã estarei em casa e poderei
saboreá-lo com vagar,
quando me houver menos em mim).
Volto meus olhos para o mar. Anoitece.
A água se dissolve em rosa, púrpura e amarelo
e o azul do céu se desfaz sem pressa
(ela chega).





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