quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Noite (poema em 2 atos)


1.

A noite
não atravessa
meus olhos.

O que me atravessa os olhos são
a luz vermelha dos carros que sobram,
as faces cansadas de homens sérios
ao fim dos trabalhos diurnos,
a adrenalina em pó dos baladeiros de plantão,
a falta que faz um sol.

Nada disso é a noite.

A noite mesmo,
a noite de verdade,
aquela escuridão mais fria
que todas as estrelas escondem,
o silêncio por trás do techno e da chuva eventuais,
a certeza final da morte chegando,
essa bate e volta
como  o vento bate no rosto da gente
e segue seu rumo,
deixando apenas o frio
do lado de fora da pele.


2.

Se às vezes
a noite entra
em mim

é porque, muito de vez em quando
ela me atravessa a boca,
é porque respirar
é inevitável aos vivos
a ponto de nos esquecermos
da própria respiração,
como nos esquecemos da morte.

Da morte chegando.

Há noite mesmo,
noite de verdade,
na hora em que não se espera.
Quando o espanto é tamanho
que a boca não fecha.
quando o Espanto é tamanho
que certezas não há.
É a hora em que ela bate fundo
como o vento bate no rosto da gente
e segue seu rumo
deixando apenas o frio
no lado de dentro da pele.