sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Motivo

(...) porque há mais Poética em uma garrafa de champanhe barato do que em 365 poemas feitos ao longo de um ano;

porque a Poética é só isso: um nome. Exceto quando é um verbo ou um conectivo;

porque, enquanto todas as outras formas de arte se instauram no concreto (sons, cores, formas), dele instaurando significados, a Poética cria sentidos a partir da linguagem, ou seja, a partir daquilo que já é formador de sentido, ou seja, revelando o humano a partir do próprio humano, ou seja, toda poética é uma metapoética;

porque uma garrafa de champanhe barato pode se chamar Poética e, apesar disso, gerar todo um pensamento psico-mito-filosófico sobre arte e álcool independente da existência de Dioniso;

porque escrever atrai mulheres, mas escrever bem atrai somente as melhores;

porque apenas 10% do tempo da escrita é gasto desenhando letras no papel;

porque esta é a parte fácil;

porque Ricardo Reis nos fala “para ser grande sê inteiro: nada / teu exagera ou exclui” ;

porque Fernando Pessoa exagera e exclui tudo de si o tempo todo e é ainda maior;

porque o Lemos bebe pra caralho;

porque eu nunca terei um filho. Mas terei outros;

porque em uma loja de conveniência em Nova York no fim dos anos vinte o jovem Isaac não conseguia saciar sua sede de leitura, apesar de ter esgotado o acervo da biblioteca, e passou a escrever suas próprias histórias, sem saber que, anos depois, essas mesmas histórias fariam parte do Acervo da Biblioteca de Nova York;

porque só agora eu entendi qual é a desse poema que eu estou fazendo;

porque, segundo Chaplin, “o humor pode ser tudo, até mesmo engraçado”;

porque Caetano Veloso existe;

porque é o que eu sei fazer melhor e, ainda assim, é o que eu mais amo;

porque contentar-se é contentar-se com pouco; (...)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Quinto Elemento

O Exótico Oriente
dá ao quinto elemento o nome de
madeira.

Intui que as forças vitais
são tão inerentes ao mundo,
tão definidoras do mundo,
quanto as outras quatro

(Por outro lado, dão ao
ar
o nome de
metal
ainda que este só se assemelhe aos sussurros
ao assumir a forma da lâmina,
letal apesar de invisível,
letal porque invisível).

Mais próximo e mais distante,
o Japão chama o quinto elemento de
vazio
Chamam-no assim porque ele é a junção de todos os outros
e, como soma,
é indiscernível, incontornável, indefinível.

Mais próximo ainda
(e proporcionalmente mais distante)
a Tradição Mística Europeia se fixa nos
quatro elementos clássicos
recusando-se, porém, a se limitar a esses quatro.
Seus pentagramas não permitem.
Contaminados, contudo,
por um platonismo tão ingênuo quanto cristianizado,
os europeus se viram obrigados a criar, do nada
- não do vazio -,
um elemento ideal, implacável e insondável.

A este elemento
(cuja importância foi crescendo gradativamente
até que se sobrepusesse aos outros,
até que arriscasse a existência dos outros,
até que fosse alcançado - e descartado como inexistente)
a Tradição Mística Europeia se refere como
Éter.

Agora, é Hollywood
(o que há de mais próximo - e de mais distante -
de nós exceto, talvez, nós mesmo)
quem diz, em cada uma de suas produções,
que o quinto elemento é o
Amor
ou, em sua tradução menos explícita, o
Coração
no que nos parece um clichê inominável
e é como tal que a maioria das pessoas o aceitam
ou rejeitam.
Não precisa ser assim.
No óbvio
(ainda mais do que em sua contraparte mais garbosa e respeitável,
o inevitável)
ainda se escondem a sabedoria infinita dos milênios
e nossos movimentos perpétuos de rotação e translação
(o movimento de revolução
se mantém, como sempre, como prerrogativa da Lua
e dos que a amam).




domingo, 8 de agosto de 2010

Das Auroras




.............Exarcebam-se

............................................................................................em plenitude
.......................................................................................abissal
..............................os ósculos solares
.........................................................do Verão

...................................................................................................(a Poesia
.................................................................................................toda prosa
............................................................................................................ri)

.................Sublimes são as sendas
.................................................do ardor total

....................................................................................como é total a criação
quando
.............ela
...................toca






.........................................................................os mundos.


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Poema Etílico nº 7

Preciso de alguém que forge
uma espada de São Jorge
e um escudo de Perseu

para que todo inimigo
que for se meter comigo
possa ver que já morreu.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Espera

Encontro-me em um bar à beira-mar. Leio um livro.
É Chico.
Bom livro. Acho melhor do que as canções.
Ainda assim, a leitura não me absorve como se deve.
É muito sol, muito mar.
É muito bar.
Sou distraído por meia dúzia de pássaros
ao longe.
(eles estariam brincando, se pássaros
pudessem brincar, ao invés disso
procuram pequenos peixes para comer)
Eu brinco
com quatro palitos de dente
antes de voltar ao livro.

É muito bar. Ao meu redor
Pessoas conversam amenidades,
um casal se ama
(eles vão terminar em duas semanas
mas eu não sei disso, nem eles),
na outra mesa Reunião de Negócios,
um homem bebe em um canto.
Olho para cada um deles em pequenos goles
e vou bebericando o livro devagar.

Sem aviso, uma passagem me toca.
("E eu me pergunto, quando ela sobe a escada,
se não é um corpo assim dissimulado
que as mãos tem maior desejo de tocar,
não para encontrar a carne, mas
sonhando apalpar o próprio movimento")
Quero eu apalpar o movimento
daqueles pássaros, daquele casal,
do homem feio e escuro que vem na minha direção
e me oferece flores. Eu aceito.
Me custa dois reais. Caro.

Deito o livro
e a sirene de uma ambulância passa depressa pela rua.
Não é nada. Não aqui.
(em algum lugar, no entanto, a ambulância não vai chegar a tempo
e alguém vai morrer.
É a vida. Pessoas morrem
a todo momento e em todo lugar.
Eu não. Eu vou morrer em um lugar só.
Não aqui).

O livro, deitado, me espera,
desisto dele por hoje.
É muito bar. Não,
é muito de mim
(amanhã estarei em casa e poderei
saboreá-lo com vagar,
quando me houver menos em mim).
Volto meus olhos para o mar. Anoitece.
A água se dissolve em rosa, púrpura e amarelo
e o azul do céu se desfaz sem pressa
(ela chega).





sexta-feira, 16 de julho de 2010

Em um bar (com uma dose de Lemos)

Existe
..............um homem
..............muito velho
que desenha ali................................................................pela primeira vez
pequenos
corações em seu
......................diário.


..........................................Ao seu lado
......................sem saber
uma jovem
não.

Ela pensa
....................em
.............................Deleuze


......................e em filmes iranianos sobre o amor e a guerra.


.....................................................Aquele
.....................................................bêbado
..................................................ao contrário

não pensa.........................................................................................não bebe
não desenha........................................................................não paga a conta

..........................................................é
........................................................feliz.



(O dono do bar,
olhando tudo aquilo
sorri
com uma dose de nostalgia,
pega suas chaves
mira atentamente a porta do estabelecimento
e abre o bar
como quem abre um sorriso)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

São Bernardo

Meu coração é um touro cravejado
de espadas que toureiros e toureiras
enfiaram, de todas as maneiras,
no coração. Meu coração é gado

de quase duas mil vacas leiteiras
mais um touro reprodutor cansado
de cruzar pra viver. Por outro lado,
meu coração é tudo que tu queiras.

Se me falta culhão pra que eu mantenha
uma imagem perfeita, seu eu sou bardo
de calçada, infantil, pequeno, insosso,

é porque minha voz caminha prenha
da embriaguês. Se eu sou um São Bernardo,
meu coração é o rum em seu pescoço.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Poema Etílico nº 6b
(a Julia Pastore)


Ali,
onde pétalas de rosas mortas
ardem em um cinzeiro
abandonado
como o fim de um cigarro
ainda aceso,

O mel
sangra.

E o sangue do mel
não é doce.
Ao contrário,
carrega o pânico orgástico
de um poema por terminar,
de uma vida
captada aleatoriamente
sem início e fim definidos
ou definidores.

Mel.
Fossilizado em braço
de mulher
como se tatuagem
não fosse.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A Lição do Lobo

Eu nunca cacei rebanhos
nem é como se os caçasse.
Não corri pelado na chuva.
Não comi carne viva.
E jamais respondi
à inconstância invariável da Lua.

Em suma: não sou um lobo.

Hoje, no entanto,
o Lobo
veio visitar
meu corpo
pela segunda vez

(a primeira foi ontem)

e, pela segunda vez,
me ensinou a ver o mundo
com os olhos da pele.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Poema Etílico nº 5

Logo depois que aprendi a ler
(tinha 5 anos)
comecei uma brincadeira solitária
sobre a qual até hoje
não contei a ninguém.

Procurava por qualquer lugar onde houvesse letras
..........placas
..........outdoors
..........revistinhas
e, olhando-as,
tentava não as ler.

(Eu me lembrava
- ainda me lembro -
de um tempo em que letras
não me formavam palavras, apenas figuras,
como ainda hoje
o ideograma
o hieroglifo
o alfabeto Klingon)

Nunca consegui.
Não consigo até hoje.

Aprender a ler.
Foi minha primeira viagem sem volta.

domingo, 4 de abril de 2010

os Pássaros e o Homem, ou o Homem e o Pássaro

(a Diego Braga)


Pássaros cantam,
mas não fazem música.
Comem,
mas não fazem comida.
Cruzam,
mas não fazem amor.

Estas artes
(como todas as artes)
são propriedade singular do homem
e apenas a ele é dado
o direito,
o dever,
o devir

de se espantar diante do espantoso,
mudar o mundo, sendo por ele mudado
e ouvir a música
que o pássaro não fez.

domingo, 28 de março de 2010

Poema Etílico nº 4

"É um fim de tarde perfeito",
ela me dizia
com olhos repletos de Brahma
e de amizade perfeita.

Olhei para o céu
e quase concordei.

Era perfeito.

Mas não era fim de tarde.

Saudade

Era madrugada e eu já não tinha sono
quando uma sombra de chuva chegou a meus ouvidos
e me percebi subitamente com saudade
de São Paulo

Não de seus habitantes que pouco conheço
e mais me despertam curiosidade
sobre como seriam
regularmente

Nem de suas ruas cinzentas
pairando sob um céu ainda mais cinza
que por sua vez paira sob uma lua
quase da mesma cor

Tampouco é saudade de seus bairros temáticos
divididos com uma precisão geográfica e antropológica
que meus olhos cariocas talvez nunca
venham a compreender

Ou ainda da minha amada
que vive por lá há um tempo
e por quem minha saudade não é súbita
nem me surpreende

Não

A Saudade de São Paulo que senti
é saudade de mim habitante
passeando por suas ruas por seus bairros
pelo meu amor.


terça-feira, 23 de março de 2010

Iceberg

"Meu coração é um Almirante louco"
Álvaro de Campos


Poemas se assemelham a um iceberg.
Uma parte nos assombra e nos comove.
Outra parte nos move.

Uma parte, tão abaixo da Lua quanto a outra
é, por ela, iluminada,
brilha com vastidão na intensidade.
Outra parte a Lua agarra,
maré.

Uma parte é concreta,
lapidável.
Outra parte é mais concreta.
Inefável.

Amo essa parte
tão bela,
tão calma.
Mas não ignoro
que é a outra perte
que tem o poder de derrubar navios.




domingo, 14 de março de 2010

O Nome do Jogo

A vida é um jogo.
Tá, mas que jogo?

Para uns, a vida adquire a complexidade de um jogo de xadrez.
Para outros, ela é simples como par ou impar.
Há aqueles para quem
o jogo da vida é simplesmente o Jogo da Vida®
(seu filho nasceu, receba os presentes).
Qual é, então, o jogo do Artista?

Um Artista, não se engane, é um homem comum,
com um emprego comum
(um encanador, talvez)
nascido em um lugar qualquer desse mundo
(digamos, a Península Itálica,
terra de Dante, Michelângelo,
Al Capone).

Porém,
quando se vê obrigado
a sair do seu pequeno mundo
para salvar sua Princesa
(porque todo artista tem a sua princesa)
ele descobre-se capaz
de realizar feitos extraordinários.
Pular grandes distâncias.
Correr sem se cansar.
Nadar, sem respirar, ao som de uma valsa.

O trabalho de um Artista
é árduo e perigoso,
e ele está sozinho.
Mas há momentos em que ele
encontra sua estrela
e, por alguns instantes, torna-se invencível;
carrega uma flor
e passa a soltar fogo pelas mãos;
toma um cogumelo
e dobra seu tamanho, seu vigor.

Três vezes ele pode definhar,
três vezes, e mais três pra cada uma.
Três vezes ele corre contra o tempo.
A quarta é o castelo.

Sem espada, escudo ou armadura
o Artista é armado
com sua sensibilidade, apenas
O Dragão, contudo, não é um dragão.
É uma tartaruga
agigantada pelos caprichos
desse estranho reino.

Ultrapassado o Dragão
(pois não há como transpassá-lo) ,
o Artista encontra a alcova
onde espera encontrar sua Princesa.
Mas o jogo nunca tem fim
e no lugar da princesa haverá
(quase) sempre aquele rapaz irritante
a lhe dizer "obrigado, mas
a princesa está em outro castelo"

Spleen

Não quero estar sozinho
e não espero a companhia de ninguém.
Queria
estar, apenas.
Sem janelas,
sem remorsos,
sem porvir.

Independentemente do que possa,
acho que hoje eu quero o tanto faz.

domingo, 7 de março de 2010

domingo, 31 de janeiro de 2010

- Você acredita em amizade entre homem e mulher?



Um banco de praça. Jocasta e Alberto. Dezoito, dezesseis. Amigos há dez.

- Claro, pô. A gente não conta?
- A gente era criança. Você ainda não era um homem, e eu...
- Tem razão. Falar nisso, você ficou uma gata, com todo o respeito.
- Que isso...

Não se via há uns três anos, desde que Jocasta fora sozinha à Europa, perseguindo seu sonho, sua identidade. Voltara, de supresa, há três dias. Uma gata, realmente. Agora conversavam.

- Onde é que você está querendo chegar, Jô?
- He, tinha me esquecido de como você me chamava assim...
- Acontece.
- Alberto... a gente sempre foi muito unido, não?
- É, a gente não prestava, lembra aquele dia em que a gente tava no lago...
- E aquele susto que você deu no vestiário feminino depois da aula de educação física...

Alberto era o mais calado, mas também o que mais aprontava.

- Você nunca achou que poderia haver algo mais entre a gente, Alberto?
- Foi você que disse, a gente era criança. Sem contar...
- Mesmo assim, acho que você tinha uma queda por mim, confessa!
- Que é isso...
-Alberto, eu vi as suas lágrimas no aeroporto. Não era choro de amigo.

Aquela tarde, três anos atrás, realmente havia sido a pior da vida de Alberto, por mais que ele não admitisse.

- Sabe, foi por isso que eu voltei, depois de todo esse tempo.
- Pra me chamar de chorão?
- Não, seu bobo. Por você. Por que você é a única pessoa que eu amo.

Jocasta e Alberto se olharam, primeiro com os olhos, depois com as mão e finalmente com suas bocas. Alberto, sem se importar com mais nada, deixando suas angústias e confusões para mais tarde. Jocasta, natural do Rio de Janeiro, nascida com o nome de José Augusto Lopes de Souza, experimentava pela primeira vez a felicidade.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um dedinho de prosa [inclui Mikhail]

Então, pessoal. Um conto. Quaisquer comentários serão particularmente bem-vindos.



Mikhail



Todos já pensamos nisso.

Que todo esse mundo é uma farsa, que todas as coisas deixam de existir no momento em que deixamos de olhar para elas, que somos a única pessoa - a única coisa - de verdade no universo, que tudo aparenta existir unicamente para alimentar a ilusão de que não estamos sós.

Todos temos razão, mas nem tanto. É verdade que há apenas uma pessoa que realmente vive e que todo o resto existe ou não na medida em que é captado pelos sentidos dessa pessoa. Acontece que a única pessoa de verdade do universo não é você.

O nome dele é Mikhail Chekov e ele nasceu em uma pequena cidade da Rússia, ao sul de Moscou. Teve uma infância simples e boa, e sempre quis conhecer o mundo. desde pequeno trabalhou muito, não somente juntando dinheiro para a viagem, mas também para ajudar nas despesas de casa, pois sua família, como sua infância, era simples, e o fim da União Soviética não os ajudou.

Exceto pelo fato de ser a única pessoa de verdade do universo, sua vida era bem comum.

Mikhail conciliava seus trabalhos com um bom desempenho escolar. Chegou a cursar Arquitetura na Universidade de São Petersburgo, tendo sido o primeiro de sua cidade a cursar com sucesso um curso superior. Isso não quer dizer que ele seja inteligente o bastante para não conseguir ser feliz, apenas é um homem determinado.

Mikhail nunca pensou que pudesse ser a única pessoa de verdade do universo.

Depois de formado, Mikhail trabalhou durante cinco anos em uma empresa localizada em Oslo, na Noruega, que o contratara após uma bem-sucedida experiência de intercâmbio. Ganhava em Euros. Passado esse tempo, achou que já havia acumulado o sufiente para poder conhecer o resto do mundo. Fez suas malas, pediu demissão do emprego e partiu.

Não sei onde ele possa estar nesse momento.

Sei que um dia o verei. Um dia ele virá ao Brasil ou eu estarei em um outro país quando, sem qualquer aviso, lá estará ele. Provavelmente não irei reconhecê-lo. Mas estarei, onde quer que seja, recém-criado, com toda uma série de lembranças falsas de uma vida que eu nunca tive, pronto para interagir com ele como for preciso. Por um momento estarei vivo, mesmo que eu seja apenas um anônimo que passe por ele pela rua ou que ele só me veja em uma reportagem na TV passando atrás do reporter. Ou então Mikhail lerá este conto um dia, e só. Se for o caso, nunca existirei de verdade e mesmo esse fingimento terá sido apenas para que essa história fosse escrita. E nem mesmo escrita por mim.