quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um dedinho de prosa [inclui Mikhail]

Então, pessoal. Um conto. Quaisquer comentários serão particularmente bem-vindos.



Mikhail



Todos já pensamos nisso.

Que todo esse mundo é uma farsa, que todas as coisas deixam de existir no momento em que deixamos de olhar para elas, que somos a única pessoa - a única coisa - de verdade no universo, que tudo aparenta existir unicamente para alimentar a ilusão de que não estamos sós.

Todos temos razão, mas nem tanto. É verdade que há apenas uma pessoa que realmente vive e que todo o resto existe ou não na medida em que é captado pelos sentidos dessa pessoa. Acontece que a única pessoa de verdade do universo não é você.

O nome dele é Mikhail Chekov e ele nasceu em uma pequena cidade da Rússia, ao sul de Moscou. Teve uma infância simples e boa, e sempre quis conhecer o mundo. desde pequeno trabalhou muito, não somente juntando dinheiro para a viagem, mas também para ajudar nas despesas de casa, pois sua família, como sua infância, era simples, e o fim da União Soviética não os ajudou.

Exceto pelo fato de ser a única pessoa de verdade do universo, sua vida era bem comum.

Mikhail conciliava seus trabalhos com um bom desempenho escolar. Chegou a cursar Arquitetura na Universidade de São Petersburgo, tendo sido o primeiro de sua cidade a cursar com sucesso um curso superior. Isso não quer dizer que ele seja inteligente o bastante para não conseguir ser feliz, apenas é um homem determinado.

Mikhail nunca pensou que pudesse ser a única pessoa de verdade do universo.

Depois de formado, Mikhail trabalhou durante cinco anos em uma empresa localizada em Oslo, na Noruega, que o contratara após uma bem-sucedida experiência de intercâmbio. Ganhava em Euros. Passado esse tempo, achou que já havia acumulado o sufiente para poder conhecer o resto do mundo. Fez suas malas, pediu demissão do emprego e partiu.

Não sei onde ele possa estar nesse momento.

Sei que um dia o verei. Um dia ele virá ao Brasil ou eu estarei em um outro país quando, sem qualquer aviso, lá estará ele. Provavelmente não irei reconhecê-lo. Mas estarei, onde quer que seja, recém-criado, com toda uma série de lembranças falsas de uma vida que eu nunca tive, pronto para interagir com ele como for preciso. Por um momento estarei vivo, mesmo que eu seja apenas um anônimo que passe por ele pela rua ou que ele só me veja em uma reportagem na TV passando atrás do reporter. Ou então Mikhail lerá este conto um dia, e só. Se for o caso, nunca existirei de verdade e mesmo esse fingimento terá sido apenas para que essa história fosse escrita. E nem mesmo escrita por mim.

Um comentário:

  1. Interessante, ficou escrito de uma maneira curiosa, me lembro rapidamente de "O Cavaleiro Invisível" do Calvino Ítalo... E no final me lembrou dos Formalistas Russos, e sua teoria literária... Um conto interessante, quase "deveras" bom.

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